quinta-feira, 18 de abril de 2024

Music For The Masses - DEPECHE MODE


1 Never Let Me Down Again (M. L. Gore)   4:47
2 The Things You Said (M. L. Gore)   3:55
3 Strangelove (M. L. Gore)   4:55
4 Sacred (M. L. Gore)   4:42
5 Little 15 (M. L. Gore)   4:14   
6 Behind The Wheel (M. L. Gore)   5:17
7 I Want You Now (M. L. Gore)   3:44
8 To Have And To Hold (M. L. Gore)   2:50
9 Nothing (M. L. Gore)   4:12
10 Pimpf (M. L. Gore)   4:56
     Bonus Tracks
11 Agent Orange (M. L. Gore)   5:04
12 Never Let Me Down Again (Aggro Mix) (M. L. Gore)   4:54
13 To Have And To Hold (Spanish Taster(M. L. Gore)   2:34
14 Pleasure, Little Treasure (Glitter Mix) (M. L. Gore)   5:36

Os tons negros que complementam a sonoridade eletro-pop dos britânicos Depeche Mode contribuem para a autonomia e firmeza da sua imagem. A banda evoluiu categoricamente através de uma plenitude sombria, conseguindo afirmar-se aos poucos com uma postura transgressiva e ditatorial até alcançar a grandiosidade dos grandes atos. 'Black Celebration', editado em 1986, aproximava-se bastante deste patamar mas o requinte chegaria no ano seguinte.

Em 1987, com um título subtilmente previdente, 'Music For The Masses' abria definitivamente as portas do mundo aos Depeche Mode. Esta é uma obra urgente e decisiva no percurso da banda, que confirma todo o potencial de uma vertente eletrónica bem poderosa, maquinalmente envolvente, em que a notabilidade de uma dinâmica pop sombria, séria, rica e inteligente, é estimulada pela química fatal de canções contagiantes e imbuídas de um forte caráter estético que se move entre a herança do ritmo industrial e a simplicidade harmónica da música pop.

Singles fortíssimos e icónicos como "Never Let Me Down Again", "Strangelove" e "Behind The Wheel", captam as principais atenções para a notável habilidade da construção musical do registo, sob a habitual estrutura maioritariamente composta por sintetizadores. No entanto, o álbum floresce também na sentida desilusão de "The Things You Said", no território sagrado da dogmática "Sacred", na sobriedade do classicismo artificial de "Little 15", no intrépido arranjo vocal para "I Want You Now", na brevidade declamatória de "To Have And To Hold", no vigoroso impulso rítmico de "Nothing" e na denunciada herança industrial, bem vincada, no instrumental "Pimpf".

A edição em CD contém quatro faixas extra, todas pertencentes às mesmas sessões de gravação deste registo; o instrumental "Agent Orange", editado apenas como lado B do single "Strangelove", nova mistura para "Never Lee Me Down Again" e "To Have And To Hold", e também uma nova mistura para "Pleasure, Little Treasure", que foi originalmente editada como lado B do single "Never Lee Me Down Again".

terça-feira, 9 de abril de 2024

Back To Black - AMY WINEHOUSE


1 Rehab (A. Winehouse)   3:32
2 You Know I'm No Good (A. Winehouse)   4:15
3 Me & Mr Jones (A. Winehouse)   2:30
4 Just Friends (A. Winehouse)   3:11
5 Back To Black (A. Winehouse/M. Ronson)   3:59
6 Love Is A Losing Game (A. Winehouse)   2:33
7 Tears Dry On Their Own (A. Winehouse/N. Ashford/V. Simpson)   3:04
8 Wake Up Alone (A. Winehouse/P. O'Duffy)   3:40
9 Some Unholy War (A. Winehouse)   2:20
10 He Can Only Hold Her (A. Winehouse/R. Poindexter/R. Poindexter)   2:43
11 Addicted (A. Winehouse)   2:43

Amy Winehouse detinha a aura típica que acompanha o percurso dos artistas carismáticos; os vícios, os desamores, as polémicas, a tragédia e também a arte de saber como usar a voz para exorcizar as feridas e os tormentos. A música soul, o R&B e o jazz, foram os estilos que lhe serviram de refúgio e onde se apoiou para exprimir a subtil urgência de uma frágil dureza em que procurou amparo. 

Editado em 2006, 'Back In Black' marca, infelizmente, o final de uma carreira curta, bruscamente interrompida aos 27 anos - idade trágica que se encontra associada ao desaparecimento prematuro de outros ícones da música popular - em que esta jovem promessa da música britânica brilhou intensamente com apenas dois registos discográficos; 'Frank' em 2001 e depois 'Back To Black'. 

Foi com 'Back To Black' que as atenções se viraram definitivamente para a música de Amy Winehouse. Um registo poderoso, difícil de largar após a primeira audição, tratado com arranjos bem cuidados e atentos, há muitos nomes envolvidos na gravação, em que tudo parece estar centrado na recuperação do esplendor e riqueza de uma sonoridade nostálgica que encaixa na perfeição com o perfil de Amy Winehouse. Poderia ter sido uma nova 'lady soul'. 

A coesão do alinhamento não apresenta pontos fracos, sendo fácil saborear o deleite de uma audição faixa-a-faixa sem interrupção. É uma obra muito bem conseguida, uma espécie de viagem temporal que visa uma época áurea em que a música era feita com corpo e alma, que não fica datada, por estar devidamente contextualizada na sua época. Registo atraente, limpo, carismático e dignificante, apesar do que possa ocultar.

sábado, 30 de março de 2024

"Suedehead", The Best Of - MORRISSEY


1 Suedehead (Morrissey/Street)   3:54
2 Sunny (Morrissey/Whyte)   2:42
3 Boxers (Morrissey/Whyte)   3:29
4 Tomorrow (Morrissey/Whyte)   4:04
5 Interlude (Delerue/Shaper)   5:47
6 Everyday Is Like Sunday (Morrissey/Street)   3:32
7 That's Entertainment (Weller)   3:55
8 Hold On To Your Friends (Morrissey/Whyte)   4:02
9 My Love Life (Morrissey/Nevin)   4:23
10 Interesting Drug (Morrissey/Street)   3:26
11 Our Frank (Morrissey/Nevin)   3:22
12 Piccadilly Palare (Morrissey/Armstrong)   3:24
13 Ouija Board, Ouija Board (Morrissey/Street)   4:24
14 You're The One For Me, Fatty (Morrissey/Whyte)   2:56
15 We Hate It When Our Friends Become Successful  (Morrissey/Whyte)   2:28
16 The Last Of The Famous International Playboys  (Morrissey/Street)   3:36
17 Pregnant For The Last Time (Morrissey/Nevin)   2:40
18 November Spawned A Monster (Morrissey/Langer)   5:24
19 The More You Ignore Me, The Closer I Get (Morrissey/Boorer)    3:42

Apelativa e generosa coletânea, editada em 1997, que evoca o período 1988 - 1995 da carreira a solo de Morrissey, ex-vocalista dos britânicos The Smiths. Polémicas à parte, esta era uma fase decisiva durante a qual se questionou o quanto Morrissey estaria dependente da envolvência da histórica banda britânica e o facto é que o carisma e a irreverência de Morrissey, seja pelo bem ou seja pelo mal, será sempre um ponto forte a ter em conta na sua vertente artística e assim se comprovou que Morrissey sobrevive facilmente sem os Smiths.

Malicioso, mordaz, ou simplesmente provocador e sincero no seu juízo, não há simpatia que o pare ou demova. Morrissey a solo soa exatamente como o 'conhecíamos' nos Smiths, o mesmo timbre, a mesma imagem, a mesma pose, apenas a sua música soa algo mais próxima de um pop/rock macio, irreverente e bastante particular, de cariz adulto, que também pode ser manifestamente venenoso e até mesmo cruel.

É difícil não deliciar com o digno esplendor de faixas icónicas como "Suedehead" e "Everyday Is Like Sunday", os primeiros singles, ou "We Hate It When Our Friends Become Successful" e "The Last Of The Famous International Playboys". Também é difícil não lembrar dos saudosos The Smiths em momentos como "Tomorrow", "You're The One For Me, Fatty", "Pregnant For The Last Time" e "November Spawned A Monster". No entanto, junte-se a genuína vitalidade de canções como "Sunny", "Boxers", "Hold On To Your Friends", "Our Frank", "Piccadily Palare", "Ouija Board, Ouija Board" ou "The More You Ignore Me, The Closer I Get" e obtém-se a fórmula que eleva a distinta obra de Morrissey a solo ao mais alto patamar. 

Duas versões complementam ainda os extras desta edição. A mais relevante, e um dos pontos altos do álbum, é a negra ternura da excelsa adaptação, integral, de "Interlude" - gravada originalmente por Timi Yuro em 1968 para o filme do mesmo nome - interpretada em duo por Morrissey e Siouxsie Sioux, e editada em formato de single em 1994. A outra versão corresponde a uma adaptação mais singela para "That's Entertainment", escrita originalmente por Paul Weller para os seus The Jam em 1981.

Um registo esclarecedor e fundamental quanto à real capacidade artística de Morrissey trabalhar a solo e uma amostra construtiva e reveladora de uma obra que não desilude.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Hellbilly Deluxe - ROB ZOMBIE

 

1 Call Of The Zombie (R. Zombie/S. Humphrey)   0:30
2 Superbeast (R. Zombie/S. Humphrey)   3:39
3 Dragula (R. Zombie/S. Humphrey)   3:42
4 Living Dead Girl (R. Zombie/S. Humphrey)   3:21
5 Perversion 99 (R. Zombie/S. Humphrey)   1:42
6 Demonoid Phenomenon (R. Zombie/S. Humphrey)   4:11
7 Spookshow Baby (R. Zombie/S. Humphrey)   3:37 
8 How To Make A Monster (R. Zombie/S. Humphrey)   1:37
9 Meet The Creeper (R. Zombie/S. Humphrey)   3:12
10 The Ballad Of Resurrection Joe And Rosa Whore (R. Zombie/S. Humphrey)   3:55
11 What Lurks On Channel X? (R. Zombie/S. Humphrey)   2:28
12 Return Of The Phantom Stranger (R. Zombie/S. Humphrey)   4:30
13 The Beginning Of The End (R. Zombie/S. Humphrey)   1:52

Editado em 1998, 'Hellbilly Deluxe' é o primeiro trabalho a solo de Rob Zombie, o principal mentor da banda norte-americana White Zombie que findou oficialmente a sua atividade em 1996. Ávido de dar continuidade à sua obra pelos seus próprios meios, e conceito, Rob Zombie é o simpático anfitrião desta horripilante viagem pela sua pequena e excêntrica feira de horrores. Personificado como um verdadeiro mestre de entretenimento do horror, Rob Zombie proporciona a deliciosa falsidade de uma representação povoada de fantasmagoria e avassaladores riffs de guitarra, num delirante festim de horror-rock pesado e bem medido.

É como tirar bilhete para uma viagem impetuosa num carrossel delirantemente povoado por personagens curiosas, fantásticas e horripilantes, em que o pano de fundo é uma casa assombrada. E também pode ser um simples pesadelo, elaborado sob a forma de um espetáculo exótico e excêntrico que não impressiona mas tem capacidade para divertir, excitar e entusiasmar. É musicalmente intenso e bastante dinâmico, movendo-se por entre o cativante exotismo de "Living Dead Girl", "Spookshow Baby" e "Return Of The Phantom Stranger" e o brutal impacto de "Superbeast", "Dragula" e "Meet The Creeper". Curtos trechos eletrónicos complementam a potente estrutura do álbum, ajudando à sua contemporaneidade e enquadramento na época; "Demonoid Phenomenon", "The Ballad Of Ressurection Joe And Rosa Whore" e "What Lurks On Channel X?" são as músicas que se enquadram na plenitude deste último apontamento.

O fantástico enredo desta obra demoníaca completa-se com as pontuais introduções - interregnos - inseridas nos seus devidos momentos: "Call Of The Zombie" introduz inocentemente o tema da obra, "Perversion 99" adensa o mistério da próxima sequência, "How To Make A Monster" produz o efeito de baixa fidelidade de um filme de série B e "The Beginning Of The End" representa o epílogo, em ritmo industrial.

Nota positiva, também, para o trabalho gráfico do álbum, em que para além do próprio Rob Zombie participaram Basil Gogos, Dan 'The Man' Brereton e Gene 'The Mean Machine' Colan.

sábado, 9 de março de 2024

Torture Garden - NAKED CITY


  Lado A (sado side)
1 Blood Is Thin (J. Zorn)   1:00
2 Demon Sanctuary (J. Zorn)   0:38
3 Thrash Jazz Assassin (J. Zorn)   0:45
4 Dead Spot (J. Zorn)   0:31
5 Bonehead (J. Zorn)   0:51
6 Speedball (J. Zorn)   0:37
7 Blood Duster (J. Zorn)   0:13
8 Pile Driver (J. Zorn)   0:33
9 Shangkuan Ling-Feng (J. Zorn)   1:14
10 Numbskull (J. Zorn)   0:29
11 Perfume Of A Critic's Burning Flesh (J. Zorn)   0:24
12 Jazz Snob Eat Shit (J. Zorn)   0:24
13 The Prestidigitator (J. Zorn)   0:43
14 No Reason To Believe (J. Zorn)   0:26
15 Hellraiser (J. Zorn)   0:39
16 Torture Garden (J. Zorn)   0:35
17 Slan (J. Zorn)   0:23
18 Hammerhead (J. Zorn)   0:08
19 The Ways Of Pain (J. Zorn)   0:31
20 The Noose (J. Zorn)   0:10
21 Sack Of Shit (J. Zorn)   0:43
  Lado B (maso Side)
1 Blunt Instrument (J. Zorn)   0:53
2 Osaka Bondage (J. Zorn)   1:14
3 Igneous Ejaculation (J. Zorn)   0:20
4 Shallow Grave (J. Zorn)   0:40
5 Ujaku (J. Zorn)   0:27
6 Kaoru (J. Zorn)   0:50
7 Dead Dread (J. Zorn)   0:45
8 Billy Liar (J. Zorn)   0:10
9 Victims Of Torture (J. Zorn)   0:22
10 Speedfreaks (J. Zorn)   0:29
11 New Jersey Scum Swamp (J. Zorn)   0:41
12 S & M Sniper (J. Zorn)   0:14
13 Pigfucker (J. Zorn)   0:23
14 Cairo Chop Shop (J. Zorn)   0:22
15 Fuck The Facts (J. Zorn)   0:11
16 Obeah Man (J. Zorn)   0:17
17 Facelifter (J. Zorn)   0:34
18 N.Y. Flat Top Box (J. Zorn)   0:43
19 Whiplash (J. Zorn)   0:19
20 The Blade (J. Zorn)   0:36
21 Gob Of Spit (J. Zorn)   0:18

'Torture Garden': Título emprestado de um livro escrito em 1899 pelo autor francês Octave Mirbeau, que também ficou conhecido como jornalista, crítico de arte e anarquista, cujo enredo evolui no espaço de um jardim, situado na China, onde se pratica tortura como uma forma de arte. Esta premissa permite antever um pouco do que espera a quem se atrever a enfrentar o desafiante registo que os norte-americanos Naked City editaram em 1991. E aprecie-se ou não, isto é realmente arte em estado bruto. 

Liderados pelo saxofonista John Zorn, nome maior do underground nova-iorquino e reputado compositor de caráter vanguardista, os Naked City servem uma intrépida dose de fortes emoções com um distinto e empolgante cardápio de 42 músicas para consumo rápido e sem hipótese de digestão, num disco de vinil de 12" que deve ser rodado a 45rpm, em que dificilmente se encontra uma música que tenha mais do que um minuto. De referir que nove destas músicas já compunham o alinhamento do primeiro registo dos Naked City, editado em 1990, e que as restantes seriam depois incluídas no alinhamento de "Grand Guignol", editado em 1992.

Um trabalho incrível e tão imprevisível, no qual se passa do heavy metal para o jazz, ao country, à música latina, ao thrash metal, ao reggae, ao rock, à música surf, música de cinema, efeitos de ruído, sons de séries de animação e outros géneros mais, numa rápida sucessão de trechos musicais que encaixam uns nos outros de modo frenético mas igualmente genial e virtuoso. A arte e o talento dos Naked City não conhece limites, faculdade que lhes abre as portas da criatividade e exploração, ou experimentalismo, de combinar estilos musicais tão diferentes entre si. O resultado pode ser de um extremismo brutal, gritante e demolidor, sendo também burlesco e divinal ou até bastante mordaz como sugerem os expressivos títulos de algumas destas "músicas".     

'Torture Garden' está longe de ser um álbum fofinho e acolhedor, podendo tornar-se mesmo tortuoso e exasperante para ouvintes mais convencionais. Mas esta é uma bela aventura, conduzida pela impressionante precisão técnica dos Naked City que certamente se terão divertido imenso com a sua conceção. Poderá ser difícil de entender o conceito deste álbum mas não há colagens ou samples. É tudo tocado pelos Naked City; John Zorn no saxofone, Bill Frisell na guitarra, Fred Frith no baixo, Wayne Horvitz nas teclas, Joey Baron na bateria e uma participação especial de Yamatsuka Eye na expressão vocal.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Moon Safari - AIR


1 La Femme D'Argent (J-B Dunckel/N. Godin)   7:08
2 Sexy Boy (J-B Dunckel/N. Godin)   4:57
3 All I Need (B. Hirsch/J-B Dunckel/N. Godin)   4:28
4 Kelly, Watch The Stars! (J-B Dunckel/N. Godin)   3:44
5 Talisman (J-B Dunckel/N. Godin)   4:16
6 Remember (J-J Perrey/J-B Dunckel/N. Godin)   2:34
7 You Make It Easy (B. Hirsch/J-B Dunckel/N. Godin)   4:00
8 Ce Matin La (J-B Dunckel/N. Godin/P. Woodcock)   3:38
9 New Star In The Sky (chanson pour SOLAL) (J-B Dunckel/N. Godin)   5:38
10 Le Voyage De Penelope (J-B Dunckel/N. Godin)   3:10

Admirável registo de estreia para o duo francês Air, editado em 1998, 'Moon Safari' está instalado num patamar situado algures entre a ambiência espacial da ficção científica e a herança da doce simplicidade de canções pop afáveis e cativantes, carregadas de alguma reminiscência vintage. Depois, há também as inebriantes viagens instrumentais que permitem deambular airosamente por paisagens macias e aveludadas que se difundem sob o esplendor cintilante do brilho estelar. Tudo aqui é etéreo e delicado.

Um futuro que já foi ou um passado que retorna ao futuro que não o chegou a ser. O registo não é assim tão complexo mas fica no ar a nítida sensação de se estar perante um futuro já esquecido que os Air conseguem habilmente recuperar através de uma atenta e bem medida imersão temporal. Um registo algo inesperado, numa altura em que as correntes musicais pop/rock tendiam em apontar para sonoridades mais sujas e agressivas, que mostra uma consciência musical distinta, sem vergonha de ir buscar inspiração atrás para criar à frente. No fundo toda a música é cíclica, um digno retorno, e alimenta-se tão naturalmente destas reminiscências para evoluir ou enriquecer.
 
Ao leme destas admiráveis viagens estão Jean-Benoit Dunckel e Nicolas Godin. Dunckel é quem manipula toda a maquinaria que envolve teclas enquanto Godin se divide pelas cordas do baixo e da guitarra, canta, também dá um jeito nas teclas, e percorre uma variedade de pequenos instrumentos que ajudam a encher o fundo sonoro desta fantástica aventura musical em que também participa a norte-americana Beth Hirsch, dona da voz macia e sedutora em "All I Need" e "You Make It Easy". Pop eletrónica de cariz retro bem vincado pela utilização de instrumentos analógicos em que pontua a distinta sonoridade dos sintetizadores Moog e Korg MS20 e outros mais. A evocação de outras épocas da música francesa faz o resto. O futuro dos Air começava a desenhar-se aqui.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Odelay - BECK


1 Devils Haircut (B. Hansen/Simpson/King)   3:13
2 Hotwax (B. Hansen/Simpson/King)   3:52
3 Lord Only Knows (B. Hansen)   4:14
4 The New Pollution (B. Hansen/Simpson/King)   3:39
5 Derelict (B. Hansen/Simpson/King)   4:11
6 Novacane (B. Hansen/Simpson/King)   4:38
7 Jack-Ass (B. Hansen/Simpson/King)   4:00
8 Where It's At (B. Hansen/Simpson/King)   5:25
9 Minus (B. Hansen)   2:32
10 Sissyneck (B. Hansen/Simpson/King)   4:02
11 Readymade (B. Hansen/Simpson/King)   2:43
12 High 5 (Rock The Catskills) (B. Hansen/Simpson/King)   4:10
13 Ramshackle (B. Hansen)   4:49
14 Diskobox (B. Hansen/Simpson/King)   3:35

Editado em 1996, 'Odelay' foi o quinto trabalho de estúdio para o norte-americano Beck Hansen e teve o condão de ser o registo da sua afirmação definitiva. A parceria com o duo de produtores The Dust Brothers - E.Z. Mike (Michael Simpson) e King Gizmo (John King) - foi essencial para o trabalho de composição e de produção do registo cujo resultado final se manifesta como uma obra genial, engenhosa, inteligente, inovadora e, de certa forma, algo ousada.

'Odelay' é como que um álbum de retalhos que funciona como uma inspiradora viagem temporal através de outras épocas e de outros sons, sem largar a realidade da sua posição contemporânea. Uma receita eficaz, assente na multiplicidade de géneros e sonoridades que o passado legou, e muitas que até ignorou, em que através de uma manifesta reciclagem musical, cuidadosamente selecionada e bem enquadrada, surgem agora originalmente revigoradas por um processo de produção musical que se pretende como criativo e no qual se recorre à utilização de samples - curtos trechos de outras músicas, que servem como base/apoio para criar músicas novas - uma técnica com tanto de polémico como de interessante. 

Mas 'Odelay' não vive só de samples. Beck é um músico versátil, capaz de tocar vários tipos de instrumentos e tem até facilidade em trabalhar com instrumentos que não domina, e é mesmo ele quem toca praticamente tudo ao longo do registo. Grande parte das músicas foram primeiro abordadas sob o formato de canção e só depois foram preenchidas com os mais diversos elementos que Beck e os Dust Brothers 'samplaram' da vasta coleção de registos musicais da dupla de produção. Neste alinhamento há apenas três músicas que escaparam ao cunho dos Dust Brothers; a intimidade de "Lord Only Knows", a aspereza punk de "Minus" (demonstrativa do que poderia ser este registo sem a divina colaboração dos Dust Brothers) e a distinta soturnidade acústica de "Ramshackle", em que participa o incontornável contrabaixista jazz Charlie Haden.

Registo inquestionavelmente inventivo que pode ser definido pela integralidade do seu caráter pop/rock em que também predomina essencialmente o hip-hop, havendo ainda espaço para o folk e para o country. Uma airosa combinação de elementos distintos, capazes de surtir um efeito eclético e inovador que resulta bem original.

A faixa "Diskobox" ficou de fora da edição original acabando por ser recuperada nas edições de alguns países como uma faixa extra, sendo esta edição Europeia uma das galardoadas.